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Educação financeira desde cedo pode mudar o futuro econômico de milhões de brasileiros

Especialista alerta que dificuldades com números e finanças pessoais começam na infância e refletem no endividamento das famílias

A dificuldade do brasileiro em lidar com números vai além do ensino primário e traz consequências para a saúde financeira da fase adulta. Uma pesquisa realizada pela Onze revela que 47% da população não consegue organizar o próprio orçamento, enquanto 59% admite não saber por onde começar. Outros 26% afirmam ter tentado, mas desistiram no caminho. Os dados sugerem uma realidade preocupante: a falta de familiaridade com a matemática básica compromete não apenas as finanças pessoais, mas também a saúde econômica do país.  

Segundo dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) de junho, o percentual de famílias brasileiras endividadas é de 78,4%. A percepção de endividamento, ou seja, das pessoas que se consideram “muito endividadas” também aumentou, indo para 15,9%. Para especialistas, o problema tem raízes profundas. 

“A educação financeira ainda é um tema pouco explorado na formação básica da maioria dos brasileiros. A introdução mais estruturada desse conteúdo nas escolas é relativamente recente, o que faz muitas pessoas chegarem à vida adulta sem ter habilidades práticas, como planejamento de gastos, compreensão de juros ou avaliação de investimentos”, afirma Túlio Matos, CEO e fundador da iCred. “O resultado é uma cadeia de decisões financeiras impulsivas, que perpetuam o endividamento das famílias e limitam o crescimento da economia.”

Mas, diferente do que se imagina, a dificuldade com números não afeta apenas quem está no vermelho: ela impacta o consumo, o acesso ao crédito e a capacidade de construir uma vida financeira saudável e sustentável. Um trabalhador que não compreende descontos em folha ou taxas de empréstimos, por exemplo, tende a aceitar condições desvantajosas, reduzindo seu poder de compra. A longo prazo, a falta de educação financeira mina a capacidade que as pessoas têm em poupar e realizar investimentos, freando o crescimento econômico pessoal.  

A solução, segundo Matos, está em fazer mudanças significativas na educação financeira de base. Segundo o Núcleo de Desenvolvimento Pela Infância (NCPI), os primeiros anos de vida são cruciais para a formação de habilidades cognitivas e hábitos. Crianças expostas a noções básicas de economia doméstica — como poupar mesada, comparar preços ou entender o valor do dinheiro — tendem a se tornar adultos mais conscientes financeiramente. “O ideal é começar incorporando conceitos simples no cotidiano. Quando uma criança aprende que R$ 10 guardados hoje podem virar R$ 12 amanhã, ela começa a entender os juros compostos de forma intuitiva”, explica.

Escolas pioneiras em países como Finlândia e Cingapura já adotam programas que ensinam matemática financeira por meio de atividades lúdicas, como jogos de tabuleiro que simulam decisões de compra e investimento. No Brasil, iniciativas isoladas em colégios privados mostram resultados promissores, mas a inclusão do tema na educação pública ainda é incipiente. O Ministério da Educação (MEC) inseriu a educação financeira na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o que representa um avanço importante na formação dos estudantes. No entanto, como toda política pública em fase de implementação, ainda há desafios, como a definição de diretrizes mais claras e a capacitação dos educadores.

O desafio, portanto, é duplo: além de melhorar o ensino da matemática tradicional, é preciso trazer a disciplina para o contexto da vida real. A mudança também deve acontecer em casa. Os pais podem contribuir dando pequenas responsabilidades, como ensinar a criança a administrar a mesada ou participar de decisões de compra da família. “O dinheiro não deve ser tratado como um tabu na infância. Quanto mais natural for o diálogo sobre despesas, economia e planejamento financeiro, menor será o risco de adultos repetirem os erros que hoje custam caro ao país”, defende o CEO.