
Estudo realizado por economistas da UFMG analisa os potenciais impactos socioeconômicos da adoção da Tarifa Zero em Belo Horizonte
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Cada R$ 1 investido na Tarifa Zero tem potencial de retorno de R$ 3,89; 1º turno da votação do PL da Tarifa Zero ocorre nesta sexta-feira, 3 de outubro, na Câmara Municipal
Belo Horizonte, 2 de outubro de 2025 – Na véspera do 1º turno da votação do PL da Tarifa Zero (PL 60/2025), a UFMG apresenta um estudo inédito sobre os impactos da implementação da Tarifa Zero no transporte público de Belo Horizonte. Os dados apontam que os gastos com transporte público na cidade correspondem a uma parte considerável da renda familiar, cerca de 19% das famílias de baixa renda. O peso desse gasto compromete a capacidade das famílias de consumir outros bens e serviços, além de restringir sua mobilidade para acessar direitos básicos, como saúde, educação e trabalho. Os efeitos dessa liberação podem ser observados no comércio e serviços locais, favorecendo a geração de empregos e a ampliação da renda municipal.
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O levantamento mostra, ainda, que cada R$ 1 investido na Tarifa Zero tem potencial de retorno de R$ 3,89 em gastos e dinamização da economia local, sobretudo no comércio e serviços. Em algumas faixas de renda, como a de até meio salário mínimo, o efeito é ainda maior: cada real investido gera mais de R$ 14 de benefício. “A gratuidade no transporte público não só reduz desigualdades sociais e libera orçamento das famílias, como também estimula a atividade econômica, amplia a mobilidade e melhora a qualidade de vida em Belo Horizonte”.
O estudo também destaca os recortes sociais. Entre a população negra, por exemplo, 22% vivem em famílias com renda de até dois salários mínimos, contra apenas 13% da população branca. Esse grupo, junto às mulheres, é o mais impactado pelo peso das tarifas no orçamento, reforçando o potencial redistributivo da política de Tarifa Zero.
Com 88% de seus gastos em mobilidade concentrados no modal ônibus, Belo Horizonte é uma das capitais brasileiras mais dependentes desse tipo de transporte. Para os autores, isso torna a proposta ainda mais significativa: além de reduzir desigualdades e ampliar o acesso à cidade, a medida pode gerar empregos e aquecer a renda municipal ao fortalecer a demanda agregada.
Caso o PL seja aprovado, Belo Horizonte será a primeira cidade brasileira com mais de meio milhão de habitantes e a primeira capital a instituir a tarifa zero permanente no transporte público. Para passar para a próxima fase, o PL da Tarifa Zero precisa de pelo menos 28 votos favoráveis, dos 41 vereadores, no 1º turno que acontece nesta sexta-feira (03/10).
No Brasil, 138 municípios já adotaram a tarifa zero todos os dias do ano, nos quais aproximadamente 7 milhões de pessoas não pagam mais passagens de ônibus. O que essas cidades têm em comum? Todas têm menos de 500 mil habitantes. Há ainda programas parciais em algumas capitais: em São Paulo e Brasília, por exemplo, o transporte é gratuito aos domingos.
PL da Tarifa Zero
Batizado de PL da Tarifa Zero, ou PL do Busão 0800 (PL 60/2025), o texto já avançou pelas comissões de Legislação e Justiça, de Transporte e Mobilidade Urbana, de Administração Pública e Segurança Pública e de Orçamento e Finanças Públicas. O projeto também é o que conta com maior número de assinaturas na Câmara, ressaltando sua relevância para a sociedade.
O PL do Busão 0800 é assinado em co-autoria pelos seguintes vereadores: Iza Lourença (PSOL), Juhlia Santos (PSOL), Pedro Patrus (PT), Cida Falabella (PSOL), Pedro Rousseff (PT), Luiza Dulci (PT), Bruno Pedralva (PT), Edmar Branco (PC do B), Wagner Ferreira (PV), Helton Júnior (PSD), Janaína Cardoso (União Brasil), Osvaldo Lopes (Republicanos), Michelly Siqueira (PRD), Wanderley Porto (PRD), Diego Sanches (Solidariedade), Rudson Paixão (Solidariedade), Leonardo Ângelo (Cidadania), Cleiton Xavier (MDB), Irlan Melo (Republicanos), Arruda (Republicanos), Neném da Farmácia (Mobiliza) e Tileléo (PP).
O amplo espectro político dos vereadores que assinam a proposta chama a atenção. Para Iza Lourença (PSOL), isso “mostra o apelo popular da Tarifa Zero, que não se restringe à esquerda, mas é um projeto que interessa a toda a cidade”. Para Wagner Ferreira (PV), que é membro da mesa diretora da Câmara de Vereadores, “o PL da Tarifa Zero é a proposta mais consistente em tramitação na casa hoje”. Michelly Siqueira (PRD), aponta a importância da gratuidade do transporte para o deslocamento de mães de crianças atípicas, enquanto Bruno Pedralva, do PT, nota como o acesso ao SUS é prejudicado pelo alto preço do transporte na capital: “BH tem mais de 600 mil pessoas na fila de consultas especializadas do SUS, e a taxa de ausência a essas consultas é de 40%”, relembra o vereador, que é médico do sistema de saúde da capital. Wanderley Porto (PRD), nota como a tarifa zero pode beneficiar o comércio da cidade, já que cidades com a política assistiram ao crescimento significativo das vendas no setor.
O novo modelo de financiamento para o transporte público para BH
Hoje, a tarifa de ônibus, paga pelos passageiros, financia apenas 26% do custo total do sistema de BH. A prefeitura subsidia o serviço com cerca de R$ 698 milhões anualmente, o que corresponde a 41% do custo total, um valor que cresce a cada ano sob pressão das concessionárias. Em entrevista recente, o prefeito Álvaro Damião afirmou que o valor do subsídio para financiar o sistema de ônibus da capital no próximo ano subirá para R$800 milhões. Soma-se ainda a receita referente ao vale transporte (R$ 544 milhões, 32%) e do passe livre estudantil (R$ 12 milhões, 1%).
O PL da Tarifa Zero propõe uma contribuição tributária: todas as empresas com 10 ou mais funcionários começariam pagando, em média, R$ 185 mensais por empregado, com desconto de 9 taxas por empresa. E, esses empregados, assim como toda a população da capital, não pagariam pelo transporte. Negócios com até nove colaboradores ficariam isentos da contribuição. O dinheiro vai para um fundo de transporte, com maior transparência na gestão.
Esse modelo de financiamento, em que as empresas contribuem com um valor fixo por funcionário, com desconto para as pequenas empresas, existe na França desde 1971, sendo responsável por estruturar um dos melhores sistemas de transporte público do mundo. Quando se elogia a qualidade do metrô de Paris, é importante lembrar que é essa forma de financiamento, com uma fonte estável de recursos que não disputa com outras demandas públicas, que torna aquilo possível.
O modelo permite também que as cidades implementem Tarifa Zero mantendo a boa qualidade, já que não deixam de ter a contribuição das empresas. Na França, a cidade de Montpellier implantou a tarifa zero para residentes em dezembro de 2023. Em seu primeiro ano, o número de viagens por transporte público saltou de uma média de 84 milhões para 110 milhões, um aumento de 30% no uso, sem pressionar a infraestrutura já fornecida.
Com o novo modelo em BH, as empresas de ônibus manteriam a gestão operacional — agora remunerada por quilômetro rodado em vez de passagem vendida — assegurando uma receita anual estimada em R$ 2 bilhões, trezentos milhões a mais do que a receita atual, ao passo que a prefeitura deixaria de bancar os atuais R$ 698 milhões.
“Quando o contrato muda para pagamento por km rodado, não há mais incentivo para restringir horários ou reduzir linhas em áreas periféricas. As empresas são estimuladas a ampliar a oferta, sobretudo à noite, o que dinamiza o comércio e a vida noturna”, explica Andrés.
Ele exemplifica com o caso dos bares de BH: “Hoje, muitos bares precisam encerrar seu atendimento mais cedo porque os funcionários e clientes não encontram ônibus para voltar para casa. Com linhas circulando em horários estendidos, esses estabelecimentos podem prolongar o horário de funcionamento, ganhando em movimento e faturamento”. Há casos concretos no país de crescimento do comércio: em Caucaia (CE) o aumento foi de 30%, e em São Caetano do Sul (SP), chegou a 40%.
O Projeto de Lei recebeu o endosso de especialistas em mobilidade urbana como Rodrigo Tortoriello (ex-secretário de Transportes de Porto Alegre), Sérgio Avelleda (Consultor em mobilidade, coordenador do Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável do Insper e ex-secretário de Mobilidade e Transportes de São Paulo) e Clarisse Linke (diretora executiva do ITDP).