
O custo oculto das obras: Como a inadimplência atrasa e encarece projetos no Brasil
Crédito: divulgação
Por Rafael Medeiros, Diretor Executivo B2B da Global
No último ano, a inadimplência no setor B2B registrou um aumento, apontando que a intrincada realidade econômica – tanto internamente quanto externamente –, tem atingido as empresas brasileiras. De acordo com dados do setor, quase 7 milhões de empresas estão inadimplentes, o que significa um aumento de 4,5% entre 2023 e 2024. Na realidade, cerca de 32% das empresas operando nacionalmente registraram algum débito vencido.
No setor de Construção, o cenário não foi muito diferente. Dados recentes compilados no Índice Global de Recuperação de Crédito B2B (IGR), apurado pela Global no início deste ano, apontaram que o setor de Construção e Projetos foi o terceiro maior no volume de títulos de cobrança cadastrados junto à empresa, com 12% dos cerca de 1,5 milhão de cobranças, perdendo somente para Bens de Consumo Não Duráveis (30%), e Alimentos e Bebidas (27%).
Essa realidade se traduz em canteiros parados, cronogramas descumpridos e custos crescentes que muitas vezes não aparecem nas planilhas iniciais. Estimativas mostram que os atrasos em projetos podem chegar a custar R$ 59 bilhões, entre 2023 e até o final deste ano, o que representa 8% do total de investimentos previstos, segundo um levantamento feito pela Delloite para a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
Embora a burocracia e outros gargalos contribuam para esses atrasos, a inadimplência de clientes e fornecedores adiciona uma camada extra de ineficiência. Cada fatura não paga ou entrega não realizada a tempo pode desencadear um efeito dominó que paralisa obras e exige injeções adicionais de recursos – um custo oculto que acaba sendo repassado para o projeto e, em última instância, para o consumidor final.
Inadimplência de clientes e o estrangulamento do fluxo de caixa
Diferentemente de outros setores, a construção civil tem alto custo corrente – salários de trabalhadores, compra de materiais, equipamentos e despesas operacionais não podem esperar. A falta do pagamento devido desequilibra o fluxo de caixa, forçando a construtora a queimar reservas ou buscar crédito emergencial para cobrir a lacuna financeira. Com os juros em patamares elevados, recorrer a empréstimos onera ainda mais o empreendimento. Em muitos casos, obras inteiras são desaceleradas ou paralisadas até que os pagamentos sejam regularizados.
Além disso, muitas incorporadoras dependem do recebimento de parcelas de compradores ou de repasses de financiamentos para tocar a obra. Se os adquirentes de imóveis ou financiadores atrasam pagamentos, falta capital para pagar empreiteiros e fornecedores. É o que costuma ocorrer em crises: micro e pequenas empresas representaram 6,5 milhões dos inadimplentes no fim de 2024, indicando que inúmeros pequenos investidores ou contratantes de obras podem falhar nos pagamentos, sufocando construtoras de menor porte.
O resultado desse estrangulamento de caixa é a necessidade de renegociar prazos com fornecedores, atrasar pagamentos em cascata ou até recorrer a recuperações judiciais no pior cenário.
Tempo é dinheiro: quanto maior o atraso, menor a chance de recuperação
Uma vez instalado o problema da inadimplência, outro aspecto crítico aparece: a velocidade de reação influencia drasticamente a chance de recuperar os valores devidos.
Outro ponto é que as informações reunidas no IGR mostram que o tempo de atraso é inimigo da recuperação. Dívidas muito tempo em aberto acabam virando prejuízo quase certo. Nos primeiros dias após o vencimento, a probabilidade de receber ainda é alta. Em alguns setores, até 98% dos títulos em atraso de 1 a 10 dias conseguem ser recuperados com ações adequadas.
Porém, essa porcentagem cai progressivamente conforme o calendário avança. Passadas duas ou três semanas, os índices já começam a desanimar: por exemplo, na faixa de 11 a 20 dias de atraso, setores como o têxtil recuperam apenas 87% dos créditos e entretenimento, 78%. Quando o atraso ultrapassa 30 dias, a queda se acentua para todos os segmentos. Entre 31 e 60 dias de atraso, uma área como lazer recupera somente 60% das dívidas; têxtil, 56%.
O panorama mais preocupante está nas dívidas antigas. Quando uma dívida empresarial passa de seis meses em aberto, a recuperação média despenca para apenas 20%. Ou seja, de cada cinco faturas vencidas há mais de 180 dias, quatro acabam não sendo pagas nunca. Esse dado da Global explicita o custo do tempo: postergar a cobrança ou “deixar pra depois” significa, muitas vezes, abrir mão de receber quase tudo. O que era para entrar como receita no balanço torna-se prejuízo ou precisa ser baixado como perda.
Mas por que a chance de recuperação cai tanto? Em parte, porque a empresa devedora pode enfrentar agravamento de sua situação financeira com o passar dos meses, entrando em efeito bola de neve. Outra razão é o simples esquecimento ou perda de urgência – quanto mais distante no tempo, menos prioridade aquele pagamento atrasado tende a ter para o devedor.
Soma-se a isso fatores como mudança de gestão, disputas contratuais e até a eventual falência do devedor, e fica claro porque dívidas antigas são tão difíceis de receber. A mensagem para quem conduz projetos é clara: acionar rapidamente os mecanismos de cobrança, atuando nas primeiras duas semanas, faz toda a diferença.
Como mitigar os riscos da inadimplência na construção
Diante de todos esses riscos, o que as empresas podem fazer na prática para se proteger e diminuir atrasos e prejuízos? A primeira medida, e a mais importante, é o monitoramento contínuo da carteira de clientes e fornecedores, e isso inclui checar periodicamente indicadores como protestos, restrições de crédito e atrasos iniciais de pagamento.
Outra estratégia adotada pelas empresas é a implementação de uma régua de relacionamento com a cobrança preventiva. Muitas inadimplências são resolvidas com diálogo e pequenas renegociações de prazo – o importante é não perder o contato nem a iniciativa.
Muitas vezes, o volume de inadimplência torna difícil essa gestão dentro da empresa – e para esse problema em específico, há empresas especializadas em cobranças B2B, e com conhecimento do setor de Construção civil, o que facilita a construção de uma estratégia mais efetiva de cobrança.
Algumas empresas do setor também já estão usando a automação da cobrança, com o apoio da IA (Inteligência Artificial). Aproveitar a tecnologia para agilizar e tornar mais eficiente o processo de cobrança faz toda diferença. Ferramentas de gestão enviam lembretes automáticos de vencimento, geram boletos e alertas, diminuindo a chance de esquecimento do pagamento.
Canais digitais como e-mail, SMS e especialmente WhatsApp têm se mostrado eficazes – hoje, o WhatsApp já lidera com 51% de participação entre os canais com maior quantidade de acordos fechados em recuperações de crédito empresariais. Além disso, soluções de IA generativa estão inovando a cobrança: bots inteligentes negociam com devedores de forma personalizada, em escala, 24 horas por dia.
Ao tornar visível o custo oculto da inadimplência e adotar práticas para contê-lo, o setor de construção civil pode ganhar mais previsibilidade e eficiência. Cada contrato honrado no prazo, cada dívida recuperada a tempo e cada parceria financeira sólida representam não apenas economias no curto prazo, mas também a construção de um mercado mais confiável e resiliente.
Em um ambiente de negócios desafiador, essa pode ser a diferença entre uma obra entregue com sucesso e um empreendimento inviabilizado pelos atrasos e estouros de custo. Em suma, enfrentar de frente a inadimplência é hoje tão importante quanto erguer bons alicerces – é condição para que os projetos saiam do papel no prazo e pelo custo planejado, sem surpresas desagradáveis pelo caminho.