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O Natal dos defensores dos cidadãos

Crédito: divulgação

John Lennon, que dispensa apresentações, em 1971, juntamente com Yoko Ono, compôs a linda canção Happy Xmas (Was Is Over). A música foi adaptada e traduzida para o português, tornando-se um enorme sucesso na voz da imortal Simone.

Na realidade, o que poucos sabem é que a canção não foi composta para as festas natalinas, ao contrário, era uma música de protesto, composta por Lennon e sua esposa, em protesto à Guerra do Vietnã e a participação dos EUA. Ao cantar, Lennon falava o famoso “É Natal” e dizia “A Guerra Acabou”.

Infelizmente, apesar da esperança ser renovada em todo Natal e Ano Novo, a meu ver temos pouco a comemorar, ao menos como advogados e defensores do Estado Democrático de Direito nestes últimos anos, a não ser que façamos como o tradutor da canção da música de John Lennon e Yoko Ono, alterando o sentido da letra, no caso da Constituição e do Estado Democrático de Direito.

A Corte maior do nosso país, em rompante de ativismo judicial exacerbado, parece estar fazendo uma tradução dos artigos de nossa Carta Magna, retirando seu verdadeiro sentido, e decidindo conforme sua conveniência e do que entendem ser importante para o Brasil, pela subjetividade de seus membros, esquecendo que o poder emana do povo e não do julgador.

Ao alvoraçarem como paladinos da moral e dos bons costumes, assumem um poder que não lhes pertencem, usurpando as funções de outros poderes e instituições da República. Como resultado dos desmandos ou destas interpretações divorciadas do sentido expresso das normas Constitucionais, vivenciamos, apenas para exemplificar:

1 – Censura prévia das redes sociais de vários cidadãos, o que é vedado na Constituição Federal em duas passagens: no artigo 5º, inciso XI, da Magna Carta, que dispõe ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, e no §2º do artigo 220, em que é proibida qualquer espécie de censura de natureza política, ideológica e artística.

Segundo o Jurista César Dario Mariano da Silva, “Desses dois dispositivos depreende-se que não se faz possível nenhum tipo de censura prévia, típica de países totalitários em que não há liberdade de manifestação e muito menos imprensa livre. Se houve excesso na linguagem e ultrapassou-se o limite entre a liberdade de expressão e a prática de uma infração, inclusive de natureza penal, a punição é posterior. Não é dado a ninguém antever a prática de um ilícito e calar qualquer pessoa, o que caracteriza arbítrio.”

2 – Investigações de parlamentares (representantes do povo) pela Polícia Federal, inclusive a condenação de um Deputado Federal, que exerceram e devem excrescer o direito de manifestarem, sendo invioláveis, civil e criminalmente, por quaisquer de suas palavras, opiniões e votos. (artigo 53 da CF/88.)

3 – Invasão da competência do Poder Legislativo, como se a Corte maior do Poder Judiciário em vez de ser o guardião da Constituição Federal tivesse a atribuição de um Poder Legislativo complementar, podemos citar a descriminalização do aborto e do uso de drogas (maconha).

4 – Inquéritos intermináveis com vários desdobramentos presididos pelo STF, apelidado pelo Ministro Marco Aurelio de Mello como sendo o Inquérito do Fim do Mundo, com competência questionável.

E por último, para não tornar o artigo demasiadamente grande e enfadonho, o julgamento de centenas de manifestantes e vários arruaceiros do 08 de janeiro, privando os réus do lídimo direito de serem julgados pelo juiz natural, o que permitiria a possibilidade de recursos, certo de que a competência do STF é de direito estrito.

O Ministro Marco Aurélio de Mello disse, textualmente: “Sou crítico quanto a essa competência alargada e, para mim, é uma competência que não se sustenta, nem mesmo se já tivéssemos envolvidos no processo-crime deputados e senadores, porque a competência do Supremo é do direito estrito. É o que está na Constituição Federal, de forma exaustiva.”

Além do mais, a meu ver, na esteira de vários juristas de renome, inclusive Ives Gandra Martins, o que houve no triste episódio de 08 de janeiro foi um movimento badernista, com a invasão e destruição de bens públicos na sede dos três poderes da República, mas nunca uma tentativa de golpe de Estado.

Pouco crível, para não dizer impossível, que um golpe de Estado ou uma ameaça à democracia fosse realizada sem armas, sem a participação efetiva das Forças Armadas, com alguns estilingues e um batom.

Como bem observou o jurista Ives Gandra, “Não tinha nenhuma arma. Encontraram uma faca com um deles, mas não havia nenhuma movimentação militar que pudesse justificar um movimento golpista.”

O resultado disto tudo é que centenas de brasileiros estão trancafiados em penitenciárias, afastados de seus familiares, cumprindo penas que não condizem com a realidade dos atos praticados.

Fazendo minhas as palavras do Ministro Marco Aurélio: “Temos a imposição de penas inimagináveis. Se formos ao Código Penal o máximo, se não me falha a memória, são quatros anos, e vemos pessoas sendo apenadas a 17 anos, potencializando-se o que seria ato violento contra a democracia, quando tivemos um movimento popular com baderneiros que partiram para o quebra-quebra. Então, isso não é bom, porque aprendemos desde cedo que o exemplo vem de cima.”

A tradução da música de John Lennon, mesmo retirando seu verdadeiro sentido, pode ser interpretada como arte, a interpretação da Lei divorciada do seu sentido, além de revelar insegurança jurídica, pode prejudicar a vida de centenas de pessoas, como no caso dos julgamentos dos manifestantes e arruaceiros do 08 de janeiro.

Que o espírito natalino alcance nossos Parlamentares para que promovam o indulto destes brasileiros e que nosso Poder Judiciário apliquem as leis e não as interpretem como se fizessem uma tradução mudando o sentido da norma.

Tenho dito!!!

Bady Curi Neto, advogado fundador do Escritório Bady Curi Advocacia Empresarial, ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) e professor universitário.

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