Carregando agora

O nó da política monetária brasileira: entre a inflação resistente, o ímpeto fiscal e os ventos externos

A aproximação da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central do Brasil coloca novamente a autoridade monetária diante da complexa tarefa de calibrar a meta da taxa Selic. A decisão do colegiado não será apenas técnica, mas um reflexo da intrincada relação entre a persistência inflacionária, a resiliência da atividade econômica, o ímpeto dos gastos governamentais e as pressões externas, em especial as políticas tarifárias de Trump e as expectativas acerca da próxima decisão do Federal Reserve (Fed).

O cenário inflacionário, medido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), permanece como um dos principais desafios. O último dado divulgado pelo IBGE, referente a maio de 2025, revelou uma alta de 0,26% no mês, levando a inflação acumulada em 12 meses para 5,32%.

Embora essa leitura esteja abaixo do pico observado no ano anterior, a persistência de pressões em serviços e, em particular, de itens ligados à alimentação e combustíveis, tem sido um fator de preocupação. As projeções mais recentes do Boletim Focus do Banco Central para o IPCA ao final de 2025 indicam um patamar de 5,44%, ainda bem acima do centro da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que é de 3,0%, com banda de tolerância de 1,5 p.p. Essa persistência exige do Banco Central uma vigilância ininterrupta e uma comunicação assertiva para ancorar as expectativas dos agentes e evitar um desancoramento que possa comprometer a credibilidade.

Paradoxalmente à persistência inflacionária, a economia brasileira tem demonstrado uma resiliência notável em desaquecer, o que, sob a ótica monetária, pode complicar o trabalho do Banco Central no curto prazo. As projeções para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2025, que giravam em torno de 1,8% no início do ano, foram revisadas para cima por diversos analistas, alcançando patamares próximos de 2,2%. Setores como serviços e agronegócio têm exibido um dinamismo surpreendente, sustentando o consumo e a geração de renda.

Embora o crescimento seja bem-vindo, ele ocorre em um contexto de taxas de juros elevadas e mercado de trabalho relativamente aquecido, o que pode realimentar as pressões de demanda sobre os preços, tornando o processo desinflacionário mais lento e custoso ao país.

Um elemento crucial que pesa na decisão do COPOM é o aumento dos gastos do governo. Dados recentes do Tesouro Nacional apontam para uma elevação das despesas primárias que supera as expectativas iniciais do arcabouço fiscal. Projeções de despesa para 2025 indicam um acréscimo em relação ao previsto inicialmente, impulsionado por reajustes salariais, expansão de programas sociais e investimentos públicos.

Esse cenário de maior demanda agregada advinda do lado fiscal, combinado com a tributação crescente sobre os investimentos (com o objetivo de aumentar a arrecadação), gera uma incerteza adicional ao mercado. Embora o aumento de impostos em investimentos possa ter um efeito de absorção de liquidez, o volume e a composição dos gastos públicos tendem a compensar esse efeito, mantendo a pressão sobre a inflação e exigindo uma taxa de juros real mais elevada para compensar o maior risco fiscal percebido.

A dimensão internacional também exerce sua influência. As projeções de juros do Federal Reserve (Fed) para o final de 2025 indicam uma taxa de fundos federais ainda em patamares relativamente elevados, acima de 4,00% ao ano. Embora o mercado comece a precificar cortes de juros nos EUA no futuro próximo, o ritmo e a magnitude dessas reduções permanecem incertos. Um diferencial de juros (carry trade) insuficiente entre o Brasil e os EUA pode reduzir a atratividade do nosso mercado para o capital externo, colocando pressão sobre o câmbio e, consequentemente, sobre a inflação importada. O COPOM, portanto, precisa navegar cuidadosamente para garantir que os juros domésticos continuem a compensar o risco-país e a oferecer um prêmio adequado para atrair o financiamento externo.

Diante desse complexo mosaico – inflação persistente em 5,32% (12m) com projeções de 5,44% para o ano, um PIB resiliente com expectativa de crescimento de 2,2%, aumento de gastos públicos e um cenário internacional com Fed ainda restritivo – , minha análise aponta para uma decisão cautelosa do COPOM em manter a taxa Selic no atual patamar de 14,75% ao ano.

O Banco Central tem a responsabilidade primordial de garantir a estabilidade de preços. Um corte de juros mais agressivo neste momento, embora desejado por alguns setores, poderia desancorar as expectativas inflacionárias, exigindo um aperto monetário ainda mais severo no futuro. A manutenção da credibilidade da política monetária e o compromisso com a meta de inflação de 3,0% são pilares inegociáveis para o BACEN.

A comunicação será crucial para sinalizar que, embora a porta para o início do ciclo de afrouxamento monetário possa estar aberta no início do próximo ano, a sua intensidade e ritmo serão estritamente condicionados à materialização de um processo desinflacionário robusto e à melhora das perspectivas fiscais ainda em 2025. A batalha contra a inflação é uma maratona, não um sprint, e o Banco Central precisa manter a disciplina para assegurar a saúde macroeconômica do país e a estabilidade dos preços.