
Terrorismo nutricional: especialista alerta para os perigos dos modismos alimentares na internet
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Nutricionista da Hapvida pontua que discursos sem embasamento científico espalham medo e culpa sobre a comida, interferindo na saúde física e emocional das pessoas
Você já se sentiu culpado por comer um pão, um pedaço de bolo ou até hesitou antes de consumir uma banana por achar que “fruta tem muito açúcar”? Esses sentimentos são reflexo de um fenômeno crescente nas redes sociais: o terrorismo nutricional — um conjunto de discursos que associam alimentos comuns à culpa, ao medo e à restrição, muitas vezes sem qualquer respaldo científico.
Para Daniele Fava, nutricionista da Hapvida, o fenômeno ganhou força com o auxílio das redes sociais, do culto ao corpo e da ascensão de influenciadores digitais, que, mesmo sem formação técnica, passaram a ditar o que deve ou não estar no prato. “Frases como ‘glúten engorda’ ou ‘carboidrato à noite faz mal’ são disseminadas sem qualquer contexto. A nutrição virou palco de julgamentos. Isso afeta profundamente a relação das pessoas com a comida e com o próprio corpo”, afirma.
Os discursos reduzem alimentos a contagens calóricas e ignoram valores nutricionais, importâncias culturais e impactos emocionais. “A verdade é que nenhum alimento, isoladamente, tem o poder de arruinar sua saúde”, explica Daniele. Ela acrescenta que o que realmente conta para a saúde é o conjunto de hábitos ao longo do tempo.
Redes sociais e a desinformação alimentar
O crescimento desse tipo de conteúdo tem preocupado profissionais de saúde em todo o mundo – e os dados confirmam esse alerta. Uma pesquisa da Federação Europeia de Sociedades de Nutrição (FENS, 2022) revelou que quase 60% dos jovens entre 18 e 30 anos mudaram seus hábitos alimentares com base em conselhos de influenciadores digitais, grande parte das vezes, sem qualquer orientação de um nutricionista.
O cenário brasileiro segue a mesma tendência. Segundo levantamento do Datafolha (2022), 72% dos brasileiros já fizeram dieta sem acompanhamento especializado, e mais de um terço se baseou em dicas vistas na internet. “O risco é seguir orientações genéricas, que desconsideram a individualidade biológica, emocional e social de cada pessoa. O resultado pode ser desastroso, desde deficiências nutricionais até distúrbios alimentares graves”, alerta a nutricionista.
Os riscos reais do terrorismo nutricional
Embora alguns desses discursos pareçam inofensivos à primeira vista, os efeitos do terrorismo nutricional podem ser profundos. Daniele alerta para consequências como perda de massa muscular, queda de imunidade e até o desenvolvimento de transtornos alimentares, como compulsão, bulimia, anorexia ou ortorexia (obsessão por comer de forma “correta”).
Além dos danos físicos, ela ressalta o impacto psicológico. A pressão para seguir padrões alimentares “perfeitos” muitas vezes leva ao isolamento, a crises de autoestima e ao medo constante de “errar” na alimentação. “Quando a comida vira motivo de culpa ou ansiedade, algo está errado. Não é raro atendermos pacientes que passaram a ter pânico de certos alimentos ou que vivem sob dietas extremamente restritivas, o que compromete o funcionamento do corpo e a saúde mental”, ressalta a especialista.
Comer bem não precisa ser difícil
Contra os mitos, a melhor resposta é informação de qualidade. Daniele reforça que a nutrição é uma ciência em constante evolução e que o papel do nutricionista vai além de montar cardápios. “A atuação envolve traduzir a ciência para o dia a dia, propor soluções viáveis e respeitar o contexto de cada paciente.”
Ela defende uma abordagem mais leve e gentil com a comida. Em vez de regras restritivas ou listas de alimentos proibidos, a nutricionista orienta que o caminho esteja baseado em três pilares: moderação, variedade e prazer.
Para quem está cansado de dietas da moda e da cobrança por um padrão alimentar inatingível, a dica de Daniele é buscar informação de qualidade e acompanhamento profissional. “Comer é também um ato cultural que envolve celebração e afeto. Não faz sentido transformar o prato em um campo de batalha. É possível cuidar da saúde sem abrir mão do prazer de comer”, finaliza a nutricionista.